O Desejo e a Falta em Encontro e Desencontros

“Encontro e Desencontros” é um filme sobre o desejo – mais precisamente, sobre a experiência do desejo concomitante com a falta. Sofia Coppola cria um retrato quase perfeito do que Jacques Lacan afirmou que “não há relação sexual”. Bob Harris (Bill Murray) e Charlotte (Scarlett Johansson) não se encontram por acaso; eles se encontram porque ambos estão perdidos no mesmo campo: o vazio de uma vida que deveria fazer sentido, mas não faz.

A cidade de Tóquio não é um mero pano de fundo; é a encarnação do Outro. Ela é uma ordem simbólica, com suas regras, costumes e linguagem, mas é um Outro que não responde aos protagonistas por serem meros americanos.

Bob e Charlotte são incapazes de decifrar os códigos ao seu redor. As placas, a língua, os programas de TV, as convenções sociais – tudo é significante, mas nenhum significado é acessível. Essa experiência de desalojamento os coloca em um estado angústia, mas também de libertação: longe de casa, eles também estão longe das identificações e expectativas que os definiam anteriormente na terra de sua língua materna.

A incomunicabilidade com os japoneses espelha a incomunicabilidade interna que cada um sente. O Outro (Tóquio) não oferece nenhum reconhecimento, nenhuma confirmação de suas existências. Isso os força a se voltarem um para o outro, não para preencher a falta, mas para compartilhá-la.

Os dois protagonistas representam duas fases ou modos de relação com o desejo e o gozo.

Bob é o sujeito que já percorreu o circuito do desejo do Outro. Ele é um ator famoso, teve sucesso, dinheiro, fama – todos os objetos a que a sociedade promete como satisfatórios. E ele descobriu que são vazios. Seu cinismo é uma defesa contra o desencanto. Seu gozo está se esvaziando cada vez mais de sentido, ele apenas repete o movimento (fazer comerciais ruins, beber no bar) sem esperança.

Charlotte é mais jovem e ainda está no cerne da angústia. Ela busca desesperadamente um significado, um objeto, uma vocação que preencha sua falta. Ela tenta a fotografia, a escrita, a meditação. Seu marido é mais um objeto que falhou em sua função de fazê-la sentir-se completa. Ela está no estágio de ainda acreditar que o objeto existe, mas não consegue encontrá-lo.


A beleza do filme está no que não acontece. Eles não têm um affair passional. Eles não “se completam”. Pelo contrário, seu encontro é bem-sucedido porque eles não tentam ser o objeto de gozo um do outro. Eles se reconhecem mutuamente como sujeitos barrados ($), como seres de falta. O que os une não é uma qualidade positiva no outro, mas a falta no outro. Eles veem no rosto um do outro a mesma melancolia que sentem. O outro se torna a causa de um desejo suave, não avassalador. A cena em que eles deitam lado a lado, sem se tocar, é a ilustração perfeita do conceito lacaniano de que “não há relação sexual”. Não há uma fórmula, um complemento perfeito que una dois seres. O que existe é um encontro singular entre duas solidões, que se tocam sem nunca se fundir. Eles criam, momentaneamente, um mundo de dois, protegido do grande Outro incompreensível de Tóquio.

O final do filme é uma grande aula de psicanálise. O sussurro de Bob no ouvido de Charlotte é  perfeito – não porque revela um segredo, mas porque não revela nada. O conteúdo da fala é irrelevante. O que importa é o gesto. É um significante puro, um som que carrega afeto mas não um significado fechado. É um presente que não é um objeto. Ao não revelar o conteúdo ao espectador, Coppola nos força a experimentar a mesma falta que Charlotte: nós também não teremos o significado completo. Aquele sussurro não é uma promessa de reencontro. É uma despedida. Mas é uma despedida que não é trágica. O sorriso de Charlotte no final não é de felicidade, mas de aceitação. Ela entendeu, naquele momento, que o desejo deve permanecer desejo, com a falta que nos move. Bob não a preencheu; ele a ensinou, através de seu afeto, a viver com e a partir de sua falta. Ele a reinscreveu no circuito do desejo, e ela o reinscreveu no mundo do afeto.

“Encontro e Desencontros” é, no fundo, um filme sobre a ética da psicanálise. A ética de “não ceder sobre o seu desejo” (Lacan no último capítulo do seminário 7). Em resumo é não cobrir a falta do desejo pelo gozo, não ceder o desejo ao gozo, não permitir o gozo cobrir (sobre) o desejo. Não no sentido de obter o objeto, mas no sentido de assumir a falta que nos constitui. Bob e Charlotte não encontraram a felicidade plena; encontraram algo mais valioso: um testemunho de que suas respectivas solidões não eram patológicas, mas sim partilháveis. Eles aprenderam que a única maneira de se conectar verdadeiramente é através do reconhecimento da incompletude no outro. É o desencontro fundamental que torna o encontro possível, ainda que breve.