A série “Adolescência” (2025)

A minissérie britânica mergulha na textura áspera e cotidiana do desamparo adolescente. Seu foco não está em um evento traumático único, mas na série de microtraumas que constituem a passagem para a vida adulta em um mundo fragmentado. A psicanálise, aqui, não busca decifrar um assassinato, mas decifrar o silêncio, a apatia e o vazio que tomam conta de seus personagens. É um estudo sobre a angústia que se manifesta sem objeto específico, puro e devastador.

A adolescência é um processo de desidealização e separação dos pais. A série parece levar isso a um extremo contemporâneo: a presença ausente da figura parental. Os pais estão fisicamente presentes, mas emocionalmente distantes, absorvidos por seus próprios problemas, trabalho e sem recursos subjetivos para acolher e lidarem por si só com o cenário. Eles falham como suposto porto seguro para a angústia do filho. Essa falha não é dramática; é burocrática, silenciosa e, por isso, mais danosa.

O adolescente, diante de um corpo que muda e de uma pulsão que o assombra, precisa que o Outro testemunhe sua transformação. Quando esse olhar reconhecedor está ausente, o sujeito fica à deriva, sem um espelho que valide sua existência. Seus atos (seja um corte na pele, uma noite de bebedeira, um sexo sem prazer) são gritos mudos dirigidos a um Outro que não ouve. A série explora, com crueza, a relação disfórica dos personagens com seus próprios corpos. O corpo não é mais uma casa conhecida. Tornou-se algo estranho, que produz sensações, desejos e humores incontroláveis. Esse Real do corpo irrompe sem aviso, causando vergonha, nojo e alienação. Transtornos alimentares, automutilação, hipocondria… Estes não são meros dramas, mas soluções sintomáticas. São tentativas desesperadas de o sujeito tentar localizar a angústia, dar um destinatário físico a uma dor psíquica difusa e insuportável.

A série mostra formas de satisfação pulsional que são radicalmente solitárias: pornografia, video games, uso de entorpecentes. São gozos que não passam pelo laço social, mas que, paradoxalmente, isolam ainda mais o sujeito. Diferente de séries onde o grupo é uma entidade coesa, a série retrata a solidão dentro da multidão. Personagens conectados virtualmente, mas profundamente sozinhos. A turma não funciona como um Outro sustentador, mas como mais um espelho que devolve uma imagem de inadequação.

Nesse contexto de desamparo generalizado, a função do analista (seja um terapeuta institucional ou a própria posição de escuta que a série nos convida a adotar) torna-se crucial.

O analista ajuda a transformar o “nada” em “algo”. Ajuda o adolescente a nomear sua angústia, a encontrar significantes (palavras) para seu vazio, tornando-o menos aterrorizante. Ele auxilia na construção de uma narrativa para o caos interno.

A minissérie britânica não é um entretenimento, mas um diagnóstico cultural. Ela captura o mal-estar de uma geração que, hiperconectada, nunca esteve tão só; que, com infinitas possibilidades, se sente paralisada pelo vazio.

A psicanálise nos ajuda a ler essa narrativa não como um retrato da patologia, mas da norma. A angústia, o desamparo e a busca por reconhecimento são constitutivos da adolescência. A série nos lembra, com urgência, que a maior tragédia não é um crime espetacular, mas o silêncio cotidiano que vai aos poucos apagando o sujeito antes mesmo que ele tenha a chance de nascer. Ela é um convite à escuta – a escuta do que não é dito, mas que insiste em sintomas, atos e olhares perdidos.