Por que a sociedade duvida da vítima?

A absolvição de Daniel Alves (que o Ministério Público de Barcelona recorreu à decisão de absolvição do jogador, que foi condenado por estupro em 2022.A defesa da vítima conseguiu reabrir o caso para novo julgamento) não é apenas uma decisão jurídica controversa – é a repetição de um ritual antigo: o silêncio imposto à vítima (a partir do Estado), a inversão de papéis onde a vítima é lida como “mentirosa”, mensagem clara de que o corpo das mulheres ainda é território de disputa, não de direito. Mas por que a sociedade prefere duvidar da vítima a encarar a violência do estupro? Existe uma espécie de gozo social em desacreditá-la?

Lembremos que a Lei simbólica é falha, ela não existe para garantir justiça, mas para organizar o gozo. E nesse caso, essa organização parece perversa: A vítima é julgada mais que o agressor: Sua roupa, seu passado, sua embriaguez viram “provas” contra ela, e o entendem que não existe consistência nas provas concretas apresentadas no processo pela sua defesa. A dúvida passa então a operar como uma arma: A atual decisão da justiça mostra que essa justiça ainda hesita em acreditar na vítima, mas não hesita em dar ao réu o benefício da dúvida. Sabemos que o real do trauma não se prova – ele insiste, no corpo, marca a vítima, mesmo que qualquer tribunal negue.

É gravíssimo tudo que gira em desacreditar a vítima. É o mesmo gozo que sustenta o mito imaginário da “mulher fatal” aquela que “seduz para depois acusar”. Por que é mais fácil crer no “homem de bem” rico, estrela do futebol mundial do que na palavra da vítima? O agressor vira vítima da “calúnia”, e a vítima real, uma “ameaça” à reputação dele. O papel da mídia: Transformar o caso em “ele disse, ela disse” e apagar a violência e reduzi-la a um “mal-entendido” e mais uma vez a mesma sairá impune pelo que faz de espetáculo sobre o caso saindo de cena com os bolsos cheios, como sempre.


O sentimento inconsciente de culpa da vítima, como se ela, de alguma forma, “tivesse provocado” projeta-se na sociedade a culpa que não quer enxergar no agressor. A revolta com a absolvição não é só por justiça: é porque mulheres que se reconhecem naquela vítima. É o medo de que um dia seja outra mulher ali, mais uma vez sem crédito e silenciada.

Qualquer neutralidade sob a vista desse tema é mais uma forma de violência. É urgente escutar o que a justiça ignora: o grito silenciado das vítimas, a culpa que lhes foi imposta, e o gozo sádico de uma sociedade que prefere duvidar a encarar sua própria violência. Se este caso ecoa nos toca de alguma forma, é porque ele toca em algo que não é apenas individual, mas estrutural. Uma análise, por exemplo, não apaga a injustiça, mas pode oferecer um lugar onde a palavra não será negada novamente.

Lembrando que Daniel não é o único ex jogador, Robinho segue cumprindo pena, o ator sul coreano Oh Yeong-Su recorreu da decisão de prisão por assédio sexual e teve pena aumentada . Sua defesa argumentou que as alegações carecem de evidências sólidas, baseando-se apenas no testemunho da suposta vítima, que consideram vago e inconsistente mais uma vez fazendo manutenção à cultura do estupro e à dinâmica social que desacredita vítimas e como último exemplo: o músico Yamandu Costa segue negando acusações de abuso sexual e psicológico feitos por ex-namorada.